quinta-feira, 24 de junho de 2010

"Somos a melhor das artes!!"

Era dia de Rock Português na Voz do Operário, e a partir das dez a sala enche-se: muita cerveja, casacos de cabedal, correntes, camisolas pretas de grandes bandas… Muito fumo! Era um ambiente altamente underground, sala pequena, só fãs do estilo, nada de pitas e singles comerciais, todos sabiam as letras, mosh verdadeiramente saudável e libertador. Começam-se a sentir os primeiros acordes e a pequena (grande) multidão começa-se a chegar à frente e a acabar o copo. Cartaz: Fabrica dos Brinquedos, Mata Ratos, KDO 3, Peste e Sida, Tara Perdida, Censurados (?). Hora prevista de encerramento: 6h00.

A noite foi passando: muitos copos no ar, encontrões, abraços, refrões cantados em coro, muito Rock! Ia a noite quase a meio e os Tara Perdida iam mandando a casa abaixo. Toda a gente a cantar, a atirar-se do palco, aos empurrões, excepto um tipo de uns 30 anos junto à mesa de som. Quem olhasse para ele julgaria ver droga e álcool. Mas ele que via os seus próprios olhos sabia que aquilo que lhe entrava no corpo era bem diferente de qualquer estupefaciente, era a música que o fazia transcender e o levava onde ele nunca tinha ido, era cada distorção alternada, cada solo, cada slap, cada break, cada palavra…

Essa noite ele olhava para o palco, para os músicos, para a equipa técnica da banda e imaginava aquilo que considerava ser o verdadeiro fundamento da música, o grande diálogo da harmonia musical:

(Baixo) – Eu sou sempre menosprezado pelo público. Ninguém compreende a necessidade do meu uso. Uns dizem que não me ouvem, outros que eu estar ou não estar é indiferente…

(Guitarra) – O que tens tu a menos, tenho eu a mais. Toda a gente olha para mim e diz que sem os meus agudos a música seria uma valente merda. É por isso que muitos compositores têm uma atenção especial quando pensam no meu grande momento, o solo.

(Bateria) – Pois é, tu tens o protagonismo todo. É de cultura. Há culturas em que a o protagonismo musical é dado sobretudo à percussão e eu sou a grande modernidade da precursão. Mas porque razão é que eu tenho que ficar sempre na parte de trás do palco?

(Baixo) – Tu estás mais atrás mas quem realmente está sempre atrás sou eu. Ninguém olha para mim excepto quando tenho um momento de brilho em Jam. E mesmo assim ainda dizem que slaps e quebras de tempo são coisas básicas. Se não fosse eu a música não tinha corpo…

(Bateria) – Sem dúvida, mas olha que o meu bombo também é uma excelente muleta para ti. Nós conjugamo-nos muito bem, tu dás o corpo e a tonalidade base e eu o ritmo e o compasso.

(Guitarra) – E eu preencho os espaços que vocês deixam soltos, daí ter mais cordas e mais variedades de tonalidade. Tanto posso preencher os espaços em ritmo como aproveitar o desequilíbrio da melodia e brilhar.

(Bateria) – Normalmente tens uma guitarra de apoio.

(Baixo) – No fundo todos temos o nosso papel, e sem cada um de nós a estrutura não funciona.

(Guitarra) – Os Doors não tinham baixista…

(Baixo) – Tinham piano que completava os graves, mas se queres falar em grandes bandas…

(Piano) – Estava a ver que não citavam o mais completo dos instrumentos !!

(Guitarra) – Lá vem este com a mania das superioridades. (risos)

(Saxofone) – Eu gostava de saber qual de vocês é que entra no coração do público como eu entro quando tenho uma oportunidade...

(Baixo) – No nosso estilo – não clássico -, há pouco espaço para ti, isso é uma verdade.

(Pandeireta) – E os meus ritmos agudos? Quantos vocalistas não pegam em mim enquanto não cantam?

(Guitarra) – A verdade é quando nos juntamos todos: tenham cuidado !!

(Baixo) – Somos a melhor das artes!!

(Guitarra) – Somos pois, ainda está para nascer uma arte tão importante e tão
tocante para as pessoas como aquela que juntos fazemos…

(Baixo) – Juntos, porque só assim faz sentido...!

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