Le Monde
28 de Abril de 2110
As estatísticas oficiais divulgadas ontem, dia 27, pelo Ministério Europeu da Administração Interna revelam uma tendência generalizada nas últimas décadas para o aumento das infracções ao artigo 478 e seguintes do Código Civil Europeu, onde consta que é expressamente proibido ultrapassar os limites territoriais definidos pelo Ministério da Justiça como sendo as fronteiras das cidades europeias. O Procurador-Geral já manifestou o seu “total e incondicional apoio ao Governo na prioridade de manter intocável o perímetro das cidades europeias...”. Juridicamente, nenhum órgão de soberania tem poderes para controlar o espaço externo das cidades. Após o Presidente da Europa ter declarado a dissolução dos últimos quatro Governos europeus, são cada vez mais evidentes as fragilidades do regime. Os grupos terroristas a operar na clandestinidade têm vindo a assumir o controlo da maioria dos pontos estratégicos do espaço externo, com a intenção de facilitar os fluxos de armamento de fora para dentro da cidade. Até agora, a estabilidade do sistema político tem residido na capacidade dos governos de exercerem uma influência informal sobre o espaço externo. Isso pode deixar de acontecer.
Em 2054, o então Presidente da Europa decretou o encerramento de três quartos do território continental, no seguimento de anos de uma política sustentada pela maioria dos partidos do espectro político com o objectivo de concentrar a população nos centros urbanos, através da criação da Comissão Parlamentar da Desertificação Planeada da Europa (CPDPE). Como previsto, as áreas rurais foram sendo progressivamente abandonadas, quer pela deslocação da população para os centros urbanos, quer pela política de deterioração das regiões levada a cabo na primeira metade do século, resultando no aumento da mortalidade. Com o regime desacreditado perante a opinião pública, os guerrilheiros pretendem conquistar a confiança da sociedade. A sua influência tem crescido à medida que se vai agravando a crise económica e financeira. O Presidente afirmou que “a única alternativa que resta à Europa neste momento é solicitar oficialmente a intervenção de outras potências mundiais.” Reunidos na semana passada em Toronto, os líderes mundiais preferiram não abordar a situação da Europa. À imprensa, o delegado em representação dos Estados Federados da União Americana (México, EUA, Canadá), disse que “não é neste momento uma prioridade a situação da Europa. O que interessa agora é saber como irá responder agora a União dos Estados Árabes à intervenção militar da China no Irão.”
A Europa enfrenta actualmente a maior ameaça à solidez do seu aparelho político e constitucional dos últimos trinta anos. Em causa pode estar a sobrevivência da integração europeia. Os Ministros nacionais da Segurança chegaram a um consenso na reunião extraordinária do início do ano, em Istambul, sobre “a necessidade de acelerar o processo de militarização da sociedade, para que possa responder aos avanços do Terrorismo, caso seja necessário...” Em Londres, o secretário-geral europeu sugeriu uma revisão constitucional que preveja “a limitação de alguns direitos dos cidadãos e a criação de comissões parlamentares de combate à acção terrorista...” Para o Presidente, “a resolução da questão não passa necessariamente por aí”, mas admite a possibilidade de o caso tomar proporções extremas, pelo que então será necessário, “custe o que custar, preservar a integridade da Europa.”
Ainda por esclarecer está a suspeição do envolvimento da Índia, Brasil e Japão no financiamento dos grupos terroristas que preconizam o colapso do regime. O Presidente Europeu não quer acusar sem ter provas mas não nega que haja “ligações directas e ilegítimas entre as grandes empresas ligadas à produção de material bélico destes países e os terroristas europeus”. Na última vez que apareceu perante a comunicação social, o líder do Movimento de Libertação da Europa (MLE) não negou o envolvimento das referidas potências. “Nós não descartamos a ajuda daqueles que a prestam apenas pelos interesses que lhe estão subjacentes. Os japoneses e brasileiros têm demonstrado um sinal positivo para com a população europeia, no sentido de abertura do regime à sociedade. Nós não nos consideramos terroristas. Fazemos o que fazemos por amor à nossa pátria e acreditamos que daqui a cem anos a História nos dará razão.”
Muito, muito bom. Ficarei atento.
ResponderEliminar