Um escritor dos seus 35 anos, depois de escrever repetições de ideias já criadas decidiu-se por uma nova história. Uma história que cativasse realmente o leitor. Tinha de falar de sexo, não havia escapatória possível. (Para ser cativante teria que lhe chamar foda, mas era um escritor de princípios…). Teria falar de alguém que engataria uma gaja e a levaria para a cama. Para ser atraente o tema central tinha de ser esse: uma mulher, um homem, desejo, e muito sexo! Estava sentado na sua secretária a pensar numa forma literária de falar no assunto. Reflectindo sobre as suas experiências (e outras) estava já excitado o suficiente para que as palavras lhe soubessem a cereja:
“Entrei no bar, pedi um gin tónico ao balcão e os primeiros goles serviriam para fazer uma análise da possibilidade de ir para a cama com alguém naquele ambiente. O ambiente era rigorosamente propício: o álcool solta e desinibe; o fumo e o calor são o pretexto para um “vamos apanhar ar lá fora”; a música faz abanar as pessoas ao mesmo ritmo e anestesia os corpos. Ao quinto gole, meio cigarro, já tinha a análise feita: seria aquela loira de ancas apetecíveis, que dançava para si mesma, à espera de um toque, de um pretexto. Se essa não caísse seria a ruiva com ar de cabra que fuma um Slim e apresenta o decote convidativo e estimulante. Não foi preciso pensar muito, muito menos esforçar-me: aproximei-me da loira, entrelaçámo-nos, a ruiva juntou-se a nós e acabamos a noite a três no quarto da ruiva bêbados, entregues à intensidade do momento”
Seria esta uma história, com mais uns floreados (óbvio) suficiente para fazer alguém trocar o espaço de sexo da revista Maria por um livro? Ou melhor, um livro sobre sexo?
O escritor sentiu que o distanciamento da história a iria fazer fracassar: o não ter sentido aquela anca estimulante, aqueles lábios a beijá-lo e a ameaçar uma descida, o suor nómada dos corpos. O caminho iria ser outro…
… sairia nessa mesma noite, iria para a cama com a primeira presa disponível, faria a descrição!
(…)
Este foi o texto que ele rasgou e queimou quando acordou no dia seguinte:
“O bar chamava-se Chiclete. Escolhi-o porque os meus amigos me diziam que se respirava sexo nesse bar. Não tocava house, tecno ou trance mas um chill out introspectivo o suficiente para que cada um dos presentes, através dos movimentos, escolhesse o par certo para essa noite. Não se bebia cerveja, apenas gin, whisky, licores. Sentei-me num sofá colectivo afastado de um grupo que conversava, mas não o suficiente. Se a minha companhia estivesse nesse grupo ela entenderia essa meia distância. Bebi licor, fumei. Tinha passado mais de uma hora e a única coisa que tinha consumido tinha sido álcool e nicotina, esse corpo de mulher apetecível ainda nem estava projectado. Pedi mais um licor e tive o prazer de ser atendido por uma empregada com um olhar penetrante. Para penetra-la e escrever sobre ela ficaria o tempo que fosse preciso. Mais um licor e vou directo ao assunto:
- Tens planos para depois de saíres? Gostava de ver esse olhar fascinante fora deste ambiente opaco. ´
As mulheres querem o mesmo que os homens, pensei, toda aquela situação só serviu para florear a pergunta que tem de ser feita: na minha casa ou na tua?!
- Saio às quatro, se quiseres espera por mim à porta.
Eram duas e não voltei a vê-la no bar. Chegaram às quatro e meia:
~
- Vejo que não desististe à primeira… onde vamos?
- Estás farta deste ambiente de bar não? Podemos ir para um sítio mais descontraído…
- Costumas ter Whisky em casa?
- Sim!
- Bebes sozinho?
- Sim, depois de jantar com um charuto.
- Óptimo, vamos para tua casa, estou de carro e sigo atrás de ti.
Estava o plano feito. Whisky, música, conversa sensível, sexo!! Ela estaria nos trinta e tal pelo que saberia inovar e dar-me uma história bem inovadora. Conversámos, bebemos a garrafa, fumámos, aproximámo-nos e quando senti uma aberta lambi-lhe o pescoço, brinquei com a orelha, beijei-a. Bastaram dez minutos para nos despirmos e irmos para a minha cama a concluir o que tinha ficado planeado no bar. Saltei para cima dela e fiz sexo como se fosse a última vez que fazia (a história tinha de ser forte e intensa). Chegou o momento crucial, o momento da conclusão da história mas o final ficou em aberto. Não consegui concluir o que tinha começado. Deixei a minha frase em reticências e o meu objecto de criação à espera de ponto final bem conclusivo. Foi super constrangedor, ela levantou-se:
- Tenho que ir, amanhã trabalho.
- Desculpa …
- Sem problema, acontece a todos páh!
- Voltamos a ver-nos? Como te chamas?
- Para que raio queres saber o meu nome? “
(…)
Como se pode um escritor apaixonar tanto pela história ao ponto de não se conseguir vir nela?! A partir dessa manhã deixou de escrever, afinal de contas essa era como se fosse a sua última foda!!
quinta-feira, 13 de maio de 2010
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