quarta-feira, 12 de maio de 2010

Pura atracção

O cinzeiro estava cheio de beatas. Era de pedra com umas inscrições árabes que não entendia, ofereceram-mo num dos muitos aniversários. Não percebia bem que horas eram, os estores estavam fechados e isolavam-me naquele quarto de hotel onde vivia há já oito anos. Eram uma barreira física que me separava do mundo exterior, um mundo que sinceramente não me interessava, aliás, acho que nunca me interessou realmente. Quando era novo sonhava com um futuro perfeito, tinha a certeza que ia casar, ter filhos, um emprego estável e uma família unida. Os dias foram passando trazendo amarrados a eles, as semanas, os meses, os anos. Não via um familiar ou amigo há tanto tempo que já nem me lembrava se existiam.

A camisola que tinha vestido, tinha pequenos buracos nas costas e os colarinhos amarelados. Optei por morar num hotel porque não me senti capaz de cuidar de nada do que fosse meu. Com quarenta e cinco anos gosto de ter as minhas aventuras, com as empregadas de limpeza ou com as belas raparigas que uma vez ou outra me vêm visitar em troca de muito pouco. A única mulher que me fez olhar por cima do ombro para me despedir com um sorriso foi a minha mãe.

Nesse dia apetecia-me sair, a monotonia do quarto e o cheiro a pó deixaram de ser confortáveis. Desliguei o televisor, lavei a cara e penteei o cabelo sujo e longo com o qual me identificava desde muito novo. Caminhei pelo corredor e a cada passo que dava o quarto 342 ficava mais longe. Premi um pequeno botão vermelho e a porta do elevador abriu. Nele vinha uma mulher ruiva, com dezenas de sardas sobre o nariz que lhe davam um ar tentador. O decote que trazia deixava a descoberto os seios jovens e vistosos. Não me senti particularmente bem, não por ver uma mulher bonita, mas porque estava na presença dela, sozinho. Olhei para baixo e os sapatos castanhos que naquele dia tinha nos pés precisavam de ser engraxados. Chegámos ao piso zero e mesmo antes das portas se abrirem, a mulher tocou-me na mão e perguntou: -Quer jantar comigo hoje? – Fiquei surpreendido e embaraçado com a situação e respondi: -Sim, aceito o convite…mas sabe, eu costumo jantar no quarto, nunca desço até ao restaurante. Depois de ponderar rapidamente, declarou: -Jantamos no meu quarto. Número 298. Nove horas.

Não tive vontade de sair e voltei atrás. Tomei um longo banho de imersão, cortei a barba e procurei no guarda-fatos algo que pudesse usar nessa noite. Eram oito horas e cinquenta e cinco minutos. Sentia-me limpo e confiante. Bati à porta e de vestido vermelho, de seda, lá estava ela. Entrei meio constrangido com a situação, sentei-me e jantámos. Era italiana, de Roma. Seu nome, Francesca. Estava de passagem, era uma nómada disfarçada de senhora. O naco de carne estava delicioso e o vinho francês que o acompanhava, melhor ainda. Ligou a aparelhagem e dançámos. Beijámo-nos e depressa comecei a sentir a intensidade dela. Arrastou-me até ao quarto e deitou-me na cama. Desapertou lentamente o fecho do vestido, deixou que ele caísse suavemente. Tirei também a minha roupa, e puxei-a para mim. Há muito tempo que não tinha sexo daquela forma. Sabia que quando acabasse ela não ia retocar o batom nem pedir-me dinheiro. Embora o meu corpo não fosse capaz de um desempenho digno da minha vontade, ali e naquele momento, eu estava no auge da minha juventude a relembrar o dia em que em casa dos meus avós paternos, numa tarde de sábado, em que o sol convidava as mulheres a usarem pouca roupa, me apaixonei fisicamente pela primeira mulher da minha vida, levei-a para casa e pela primeira vez também, fiz amor. Era assim que me sentia, um jovem. É verdade que os anos passaram, mas a frescura que Francesca emanava de todos os seus poros, retirava-me uns quantos anos de vida á alma.

Vesti-me, provei pela última vez os seus lábios e voltei para o meu quarto. Tudo parecia igual, em poucas horas também não estava á espera que muito mudasse. Só que ao contrário de todos os outros dias, abri os estores e deixei que a luz entrasse. Passaram-se semanas e eu tinha um ritual novo. Larguei o velho hábito de ver televisor e fumar cigarros, e habituei-me a sair todos os dias do quarto para dar um pequeno passeio num recatado jardim da cidade. Cada vez que entro no elevador, o aroma perfumado do pescoço dela, ainda se faz sentir. Jamais se apagará da minha memória, a melhor noite da minha vida, com a melhor mulher da minha vida.

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