quinta-feira, 13 de maio de 2010

Por enquanto

    Depois, ela disse “Tenho frio” e, por baixo dos lençóis, encostou os seus pés aos meus para os aquecer. Se ficasse mais tempo, corria o risco de ceder, habituar-me novamente à cama e, por fim, adormecer. Não podia. Era injusto da minha parte impedi-la de continuar com a sua vida e, ao mesmo tempo que me sentia preso a velhos desejos, temia, também, envelhecer naquela cama. Apesar da vergonha que sentia, não tinha forças para quebrar de vez os frágeis laços que ainda nos uniam. “Temos de parar de fazer isto”, disse, mas logo me arrependi e senti-me mal por ela, que merecia mais, e por mim e por aquilo que nos estava a acontecer. Pensei em dizer alguma coisa para corrigir, mostrar que não era minha intenção desprezá-la, no fundo, fazê-la compreender que não é normal um casal continuar a ter relações sexuais depois de se divorciar, mas se pronunciasse com todas as palavras o que estava a acontecer, estaria a aceitar a derrota e isso só me daria mais motivos para a odiar e para me odiar a mim próprio, por isso levantei-me e fui à casa de banho lavar o rosto. Preferia continuar o faz de conta até que alguma coisa acontecesse. Esperar que o interesse se fosse perdendo até deixar de ser uma preocupação. Acreditava que outras pessoas haveriam de aparecer entretanto, e com elas outras vontades. Quando voltei ao quarto, dobrei-me para apanhar a roupa do chão, ela perguntou “Já vais?”, eu respondi “É tarde.”

    Abri a porta de casa e, antes de sair, detive-me a observar a sala. Estava igual e isso deprimiu-me. De repente, as recordações voltaram como nas noites sozinho no apartamento, mas naqueles segundos parado na porta tive a certeza que tudo tinha mesmo acontecido. E, talvez porque estivesse cansado ou soubesse que, chegando a casa, teria uma cama fria à minha espera, uma casa que não era minha, deu-me vontade de voltar para o quarto e deitar-me na cama ao lado dela. E, acordando no dia seguinte, continuar uma vida diferente, sem ter de explicar. Quis mesmo acreditar nisso, mas sabia que, no dia seguinte, a vontade já se teria perdido. Quem sabe, para sempre, ou até à próxima vez.

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