quarta-feira, 9 de junho de 2010

Fuso horário

I think I should speak now
I can't seem to speak now
My words won't come out right
I feel like I'm drowning
I'm feeling weak now
But I can't show my weakness
I sometimes wonder
Where do we go from here

FADE IN:
INT.DIA
No terminal de aeroporto de uma grande cidade (Nova Iorque, Londres, Tóquio, Paris, Viena, Milão, Rio de Janeiro, Madrid, Moscovo, Buenos Aires, Los Angeles, Pequim, Chicago, Lisboa); vozes que anunciam as chegadas; centenas de pessoas, sentadas, com malas, com sacos de compras, funcionários do aeroporto, das companhias aéreas, passageiros.
GRANDE PLANO SOBRE A MULTIDÃO NO TERMINAL. ZOOM IN. UM HOMEM QUE ACABA DE CHEGAR À CIDADE TOCA NO OMBRO DE OUTRO QUE ESTÁ À SUA ESPERA NO AEROPORTO.
- Já estás há muito tempo à espera?
- Há pouco mais de uma hora.
- O voo atrasou-se à saída.
- Correu tudo bem?
- Sim. Foi tranquilo. Dormi umas boas horas, o que não costuma acontecer.
- Queres que leve uma?
- Não é preciso. Não as trago muito pesadas.
- Por aqui.
- Deixei lá muita tralha. Tudo o que já não preciso.
- Deixei o carro deste lado.
- Em que hotel ficaste?
- Não fiquei. Fiz a viagem de noite.
- Ansioso demais para dormir?
- Quase... (ri-se) para evitar o trânsito.
- Deves estar cansado...
- Um pouco, mas já tomei uns quatro cafés.
- Em uma hora? (ri-se) Deixa ver a chave que eu levo o carro.
ENTRAM NO CARRO. INTERIOR DO CARRO.
- Mete a pasta aí atrás.
- Então...
- O quê?
- Diz lá...
- O que é que queres saber?
- Disseste há bocado que não dormias tão bem há anos...
O OUTRO RI-SE. O CARRO ESTÁ A ENTRAR NA AUTO-ESTRADA.
- Não tem nada a ver com isto. Não dormia assim em aviões, era o que queria dizer.
- Talvez inconscientemente...
- Não me parece.
O OUTRO OLHA PARA ELE À ESPERA DE UMA RESPOSTA.
- Não há nada que saber. Foi tudo como eu estava à espera.
- E o que fizeste quando soubeste?
O QUE ESTÁ A CONDUZIR FECHA OS OLHOS E ACELERA.
- Fiz o que tinha de fazer...
- Só uma pergunta... agora que já sabes o que aconteceu...
- O quê? Fazia o quê?
- Preferias não ter ido?
O HOMEM QUE ESTÁ A CONDUZIR OLHA PELA JANELA E FICA EM SILÊNCIO POR UM MOMENTO.
- Não consigo pensar dessa maneira. Se não soubesse, nada disto teria acontecido. Continuava a viver da mesma maneira.
- E isso seria melhor ou pior?
- Eu sei que tu queres que eu diga que sim, que seria melhor mas... mas estaria a viver uma ilusão.
- Então? Preferias?
- Não me arrependo. Se estivesses no meu lugar, não farias o mesmo?
FICAM EM SILÊNCIO DURANTE ALGUNS MINUTOS. O QUE ESTÁ NO LUGAR DO MORTO BOCEJA.
- E agora? O que vais fazer?
- Não sei.
- Vai mudar alguma coisa?
- Talvez. Agora, pelo menos, não tenho desculpas para não tentar.
- O quê?
- Ainda não sei.
- Qualquer coisa, podes contar comigo. Comigo e com os outros.
- Ninguém me pode ajudar agora. Pelo menos, por enquanto. Só o tempo.
- E o que vai acontecer depois? Quando esqueceres o que se passou?
- Não sei. Ainda não sei. Porquê tantas perguntas? Tens medo que eu faça alguma coisa?
- Claro que não, mas é normal uma pessoa sentir-se culpada depois do que aconteceu. É difícil lidar com isso. Muitos não conseguem.
- Podes ficar descansado. Agora tenho mais motivos para não ter essas ideias. Podes dizer aos outros para não se preocuparem comigo. Não precisam de me tratar de maneira diferente.
- Há qualquer coisa que mudou. Eu vejo nos teus olhos.
- É claro que mudou. Eu mudei. Para te ser sincero, rezei durante muito tempo para que alguma coisa acontecesse. Nunca soube bem o quê. Agora vejo que isto pode bem servir.
- Servir? Do que estás a falar?
- Para mudar alguma coisa. Isto pode mesmo ter o seu lado bom. Pode indicar-me algum caminho. Não dá para explicar. Estive muito tempo à espera que alguma coisa mudasse, para que eu pudesse também mudar. Seguir um caminho diferente. Sei lá. É claro que não te consigo dizer o que vai acontecer a seguir. Não depende só de mim. Mas eu vou fazer tudo o que estiver ao meu alcance para não me deixar levar. Eu tenho quarenta anos, caraças, não me vou deixar apagar pela idade. É a altura certa para me impor. Imagina que agora tínhamos um acidente e eu ia parar ao hospital, e conhecia a pessoa certa para mim e éramos felizes para sempre. Não podes dizer que é impossível. Ninguém sabe o que vai acontecer, não achas?
O HOMEM QUE ESTÁ A CONDUZIR OLHA PARA O OUTRO E, AO VER QUE JÁ ESTÁ A DORMIR, RI-SE.
- Sortudo. Temos uma longa viagem pela frente. Não te preocupes. Vai ficar tudo bem. É hora de virar a página. Começar de novo. Ninguém sabe o que pode acontecer agora.
FADE OUT.
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