quarta-feira, 2 de junho de 2010

A Queda do Império Romano

Segunda-feira
Fui chamado de manhã para um corpo baleado na praia. Onze vezes. Calibre 9mm. Um bando de abutres sobrevoava o cadáver na areia envolto por algas e espuma das ondas. Uma chamada anónima ao nascer do dia deu conta da ocorrência.
À tarde, fui falar com os pescadores nas rochas mas não sabiam de nada. Mostrei-lhes fotografias do corpo mas isso não pareceu impressioná-los. Os homens que estavam nas docas a descarregar os contentores de um barco disseram que quando chegaram a polícia já lá estava. Quando eu saí, às oito da noite, o corpo ainda não tinha sido identificado.

Terça-feira
Procurei no arquivo pelo registo de casos semelhantes e encontrei referências à praia em pelo menos uma dezena de documentos. Homicídios. Até hoje, cinco homens, quatro mulheres, uma das quais grávida, e uma criança. Nenhum dos casos foi solucionado.
À tarde, fui falar com o médico legista no hospital e, de resto, pouco mais pude fazer. Vim mais cedo para casa e passei o serão a escrever, enquanto a minha mulher vê televisão deitada no sofá.

Quarta-feira

Tinha um relatório à minha espera na secretária quando cheguei. As buscas realizadas no dia anterior não tinham conseguido nada melhor que uma caixa de fósforos a poucos metros do corpo, enterrada na areia. Era uma daquelas amostras de publicidade, tinha o endereço de um estabelecimento nocturno no centro da cidade. Eram três da tarde. Esperei até à meia-noite.
Entrei. Perguntei à empregada no balcão se conhecia o indivíduo na fotografia que lhe mostrei. Disse que não mas vi que estava a mentir. De seguida, falei com o seu superior, a quem pedi a gravação das câmaras de vigilância de domingo à noite. Levou-me a uma sala e meteu uma cassete no aparelho. Eram imagens de arquivo de um programa de televisão de há 30 anos. Pelo seu olhar percebia-se que também era a primeira vez que via aquela cassete. Perguntei-lhe quem tinha acesso àquela sala. Qualquer pessoa, à noite é difícil controlar o movimento, qualquer pessoa que saiba o que procura consegue entrar.
São cinco da manhã. Cheguei agora a casa e encontrei a minha mulher a dormir no sofá. A televisão ainda está ligada enquanto escrevo. Um documentário sobre o império romano. Estou cansado, mas sou capaz de ficar mais um pouco acordado para saber como acaba.

Quinta-feira
De manhã, nada a apontar. O meu trabalho esteve limitado à falta de evidências.
À tarde, uma senhora de idade veio à esquadra reportar o desaparecimento do filho. Mandaram-na vir ter comigo. Não chorou. Reagiu como se estivesse à espera. Mais nada. Trouxe para casa o relatório com as informações da vítima. A mãe desconhecia grande parte da vida do filho. De qualquer forma, vou ler isto depois da segunda parte do programa sobre Roma.

Sexta-feira
Despertei de um pesadelo às seis da manhã. Cheguei à praia com uma cana de pesca e era trinta anos mais velho. Aproximei-me do morto, que abriu os olhos e perguntou-me quem eu era. Disse que estava a investigar a sua morte. Mas eu não morri, respondeu com sinceridade. Ajoelhei-me perto do seu corpo e passei os dedos pelos buracos de onde escorria sangue, para lhe mostrar, mas depois tive pena dele. Não sei o que aconteceria a seguir porque acordei.
Falei com os vizinhos, colegas de trabalho, família. Nada. No geral, todos disseram que era uma pessoa solitária. Não acredito. Não encontrei ninguém que o conhecesse melhor. Não acredito. Agora que morreu podem dizer o que quiserem dele, por isso não acredito. Mencionei, também, o nome das restantes vítimas, dos outros casos da praia. Nada. Até segunda, não me preocupo mais com isso.

Sábado
Não consigo parar de pensar no caso. Nem tinha reparado. Só quando, ao jantar, a minha mulher perguntou o que se passa? é que me apercebi que não conseguia parar de pensar nisso. Todos sabem. Os pescadores, os vizinhos, os da discoteca, os da fábrica onde trabalha, todos sabem. Há algo que me escapa. Não faço a menor ideia.
Vou dormir, disse a minha mulher, interrompendo-me o pensamento. Já? Olhei para o relógio. 01h43. Ainda pensei em dizer alguma coisa, mas como pedir desculpa? Morreu um homem. Qualquer vida é mais importante que tudo o resto, mas isso nem a mim me convenceu. Entretanto, já se tinha ido deitar e eu estava sozinho na sala, à frente da televisão. Imagens. De quê? (Tenho quase a certeza que se ela não tivesse falado, eu chegaria lá. Onde?)

Domingo
O dia inteiro perdido. Inútil e absurdo são as palavras que me vêm à mente. Vazio. Mesmo assim, prefiro Hoje que Amanhã. Para sempre domingo. Talvez a resposta esteja na praia. Veremos.


Disparos

aproxima-se alg

estou a cair e




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